A história precisa ser revista periodicamente. Novos dados, novas descobertas, novas informações iluminam aspectos obscuros e, quase sempre, abalam verdades estabelecidas. É essa coisa movediça que faz necessárias as ciências da religião e é ela que faz a distinção entre essa ciência e a teologia. O livro de Gedeon tem, neste sentido, todas as características para se tornar um clássico, de consulta obrigatória para todos os que estudam não apenas as Assembleias de Deus, mas o pentecostalismo mesmo e suas expressões no Brasil. Não é um livro para quem busca a confirmação das velhas certezas adquiridas à base de incansáveis repetições. É, antes, questionador e provocador como devem ser os bons livros.
Edin Sued Abumanssur, doutor em ciências sociais e professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião PUC-SP
Ao ler o livro de Gedeon Alencar, o leitor se dará conta de que aquela tradicional Assembleia de Deus presente na mente da maior parte das pessoas não era exatamente assim nas suas primeiras décadas de Brasil, como também já não é mais assim agora, quando parece ter se tornado um nome geral para um emaranhado de convenções e lideranças personalistas-empresariais mais do que tradicionais ou carismáticas. Na linhagem de outros importantes estudos sobre o pentecostalismo, a principal contribuição dessa rica pesquisa foi introduzir, por meio do recurso tipológico weberiano, um ordenamento na história da centenária e principal denominação pentecostal do Brasil, permitindo tanto aos especialistas quanto aos simples leitores interessados no tema compreender os diversos assembleianismos que a constituem.
Ronaldo Almeida, doutor em Antropologia pela USP e professor na Unicamp-SP
Uma das principais referências no campo de estudos sobre o movimento pentecostal brasileiro. Filho de pastor assembleiano, ex-aluno da primeira instituição pentecostal de ensino teológico no país, professor de seminários evangélicos, tem se dedicado nos últimos vinte anos a perscrutar sociologicamente os meandros pentecostais do protestantismo tupiniquim. Autor de três livros e de diversos artigos de ampla circulação no campo dos estudos de religião, agora aventura-se na análise das explosivas relações entre pentecostais e ecumênicos. Irônico a começar pelo próprio subtítulo da presente obra – “A Relação entre o pescoço e a guilhotina?” – sem especificar claramente quem é o quê; o leitor que os identifique. Diferentemente ao que vem ocorrendo em décadas mais recentes em outras partes do mundo, no Brasil ecumenismo e pentecostalismo têm desde sempre mantido uma relação que por vezes tem descambado para a intolerância beligerante. Apesar de terem nascido quase que ao mesmo tempo e nos mesmos meios do evangelismo protestante do movimento de santidade, incomodados com o aburguesamento das igrejas protestantes e animados pelo avanço das chamadas missões estrangeiras no século XIX, o movimento ecumênico, na busca pela unidade na missão, e o movimento pentecostal, na busca do empoderamento espiritual para a missão, no século vinte aqueles três movimentos acabaram por se achar em amplo e aberto conflito. A situação ainda fica mais conflitante devido a repulsa do catolicismo romano por tudo que cheirasse a protestantismo. Navegando entre Londres, Edimburgo, Panamá, Roma, Belém do Pará, São Paulo e Genebra, com a ironia e, por vezes, o sarcasmo, que lhe são peculiares, Alencar analisa tais relações quase que cirurgicamente. Por um lado o antipentecostalismo por parte de ecumênicos, e, por outro, o antiecumenismo por parte de pentecostais, são devidamente retratados e documentados ao longo desta obra – mas, é preciso reconhecer-se que amistosas relações institucionais entre pentecostais e ecumênicos têm sido promovidas pelo Conselho Mundial de Igrejas, pelo Vaticano e pela Conferência Mundial Pentecostal. Surpreendentemente, Alencar vai encontrar alguns pontos fora da curva dos conflitos entre o pescoço e a guilhotina: Missionário Manoel de Mello e a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo; o ENCRISTUS; a RELEP. Nem tudo esteve sempre ou ainda está perdido nas relações ecumênicas e pentecostais. Há sinais de esperança e, talvez, o mais surpreendente de todos se chama Papa Francisco – pneumatologicamente, o amigo de todos e inimigo de ninguém. Mas, apesar de tais pontos que fogem da curva, o cientista social, que se recusa a pensar como teólogo, termina um tanto pessimistamente o seu presente trabalho, muito mais com perguntas em aberto do que com respostas à sua pergunta inicial, perguntas que convocam seus leitores a pensarem e deixarem pensar até onde o Espirito Santo poderá levar pentecostais e ecumênicos a encarnarem hoje o mesmo espírito que animou a Jesus em seu diálogo acolhedor com a mulher samaritana. Por tudo isto nós, pesquisadores do movimento pentecostal, só temos a agradecer a Gedeon Alencar por mais esta contribuição aos nossos estudos.
Paulo Ayres Mattos
Bispo emérito e Doutor em Teologia