O ecumenismo é uma estratégia diabólica do Anticristo e o pentecostalismo é o último vomito de Satanás ou, ao contrário, o ecumenismo é a concretização do desejo de Jesus para que todos sejam um e o pentecostalismo a contemporaneidade do texto bíblico todos cheios do Espírito? Se o ecumenismo, em séculos passados, foi um projeto das Sociedades Bíblicas pela urgência da evangelização, no pós-guerra mundial é uma necessidade de curar a falência do testemunho cristão na Europa e cuidar dos feridos e pobres das guerras. Somente na guerra fria, décadas depois, é acusado de ação diabólica do anticristo. O pentecostalismo, no início do século XX, onde a cor do sangue superou a cor da pele, juntou negros e brancos, em uma singela demonstração de superação de racismo, sexíssimos e demais discriminações, sendo uma religião pobres, pretos, periféricose pentecostais. Na atualidade, ambos têm novas demandas. A Conferência Mundial Pentecostal surge em 1947 e o Conselho Mundial das Igrejas em 1948, apesar da proximidade geográfica e histórica, tomam rumos distintos, mas no momento estão próximas, pois inclusive, ambas são ecumênicas. E desde 1972, existe a Comissão Internacional de Diálogo Vaticano-Pentecostal com ampla produção acadêmica, mas desconhecida no Brasil, até mesmo nos meios católicos e ecumênicos, mas já teve a participação de 162 líderes pentecostais, dos quais 29 pastores assembleianos e o atual moderador é um pastor assembleiano. Se católicos xingavam os pentecostais de bodes, e esses devolviam chamando a Igreja Católica de Prostituta do Apocalipse, agora o Papa Francisco os trata como irmãos. E em 2014, numa igreja pentecostal na Itália, pediu explicitamente perdão aos pentecostais mas, até onde eu saiba, o inverso
não aconteceu. Se no mundo católico, alguns ainda vivem na beligerância do Concílio de Trento, no mundo pentecostal, sem saber as razões históricas, muitos vivem espiritualmente fora do tempo. Mas, na atualidade, existem diversos movimentos onde católicos e pentecostais oram, estudam e vivem a vida cristã em comum, como por exemplo: o ENCRISTUS. Isso seria, então, uma articulação diabólica ou agir do Espírito? Pois se o Espirito é como vento e age como quer, poderia, inclusive, agir em pessoas/instituições onde ele não é visto, ouvido, percebido e acreditado? Nesse caso, o Espírito Santo poderia agir entre católicos e pentecostais, pois há santos até entre eles e salvos até nessas igrejas?
Você pode ser contra ou favor, mas não pode desconhecer a história de avanços e retrocessos que os ecumenismos e pentecostalismos tiveram e estão tendo ainda mais no início do século XXI. Pois nessa relação conflituosa de beligerância, jogos de interesses legítimos ou escusos, mas também de testemunho cristão, às vezes pessoas/instituições, usando Deus e o Diabo, pousam de pescoço, mas agem como guilhotina.
Gedeon Freire de Alencar
Uma das principais referências no campo de estudos sobre o movimento pentecostal brasileiro. Filho de pastor assembleiano, ex-aluno da primeira instituição pentecostal de ensino teológico no país, professor de seminários evangélicos, tem se dedicado nos últimos vinte anos a perscrutar sociologicamente os meandros pentecostais do protestantismo tupiniquim. Autor de três livros e de diversos artigos de ampla circulação no campo dos estudos de religião, agora aventura-se na análise das explosivas relações entre pentecostais e ecumênicos. Irônico a começar pelo próprio subtítulo da presente obra – “A Relação entre o pescoço e a guilhotina?” – sem especificar claramente quem é o quê; o leitor que os identifique. Diferentemente ao que vem ocorrendo em décadas mais recentes em outras partes do mundo, no Brasil ecumenismo e pentecostalismo têm desde sempre mantido uma relação que por vezes tem descambado para a intolerância beligerante. Apesar de terem nascido quase que ao mesmo tempo e nos mesmos meios do evangelismo protestante do movimento de santidade, incomodados com o aburguesamento das igrejas protestantes e animados pelo avanço das chamadas missões estrangeiras no século XIX, o movimento ecumênico, na busca pela unidade na missão, e o movimento pentecostal, na busca do empoderamento espiritual para a missão, no século vinte aqueles três movimentos acabaram por se achar em amplo e aberto conflito. A situação ainda fica mais conflitante devido a repulsa do catolicismo romano por tudo que cheirasse a protestantismo. Navegando entre Londres, Edimburgo, Panamá, Roma, Belém do Pará, São Paulo e Genebra, com a ironia e, por vezes, o sarcasmo, que lhe são peculiares, Alencar analisa tais relações quase que cirurgicamente. Por um lado o antipentecostalismo por parte de ecumênicos, e, por outro, o antiecumenismo por parte de pentecostais, são devidamente retratados e documentados ao longo desta obra – mas, é preciso reconhecer-se que amistosas relações institucionais entre pentecostais e ecumênicos têm sido promovidas pelo Conselho Mundial de Igrejas, pelo Vaticano e pela Conferência Mundial Pentecostal. Surpreendentemente, Alencar vai encontrar alguns pontos fora da curva dos conflitos entre o pescoço e a guilhotina: Missionário Manoel de Mello e a Igreja Pentecostal O Brasil para Cristo; o ENCRISTUS; a RELEP. Nem tudo esteve sempre ou ainda está perdido nas relações ecumênicas e pentecostais. Há sinais de esperança e, talvez, o mais surpreendente de todos se chama Papa Francisco – pneumatologicamente, o amigo de todos e inimigo de ninguém. Mas, apesar de tais pontos que fogem da curva, o cientista social, que se recusa a pensar como teólogo, termina um tanto pessimistamente o seu presente trabalho, muito mais com perguntas em aberto do que com respostas à sua pergunta inicial, perguntas que convocam seus leitores a pensarem e deixarem pensar até onde o Espirito Santo poderá levar pentecostais e ecumênicos a encarnarem hoje o mesmo espírito que animou a Jesus em seu diálogo acolhedor com a mulher samaritana. Por tudo isto nós, pesquisadores do movimento pentecostal, só temos a agradecer a Gedeon Alencar por mais esta contribuição aos nossos estudos.
Paulo Ayres Mattos
Bispo emérito e Doutor em Teologia